Em sua apresentação no workshop “Estado, intelectuais e modernização no Brasil: perspectivas da História das Ciências e da Saúde, o pesquisador da Casa de Oswaldo Cruz Luiz Otávio Ferreira tratou da institucionalização da história das ciências como disciplina acadêmica. Para isso, partiu das primeiras obras de história das ciências produzidas na segunda metade do século XIX até consolidação acadêmica da disciplina após a Segunda Grande Guerra.” São recentes a utilização da palavra ciência no plural, considerando seus múltiplos campos de conhecimento e a definição que a trata como um fenômeno social e cultural”, explicou o pesquisador.
Segundo Luiz Otávio, até a Primeira Guerra, a história das ciências ainda não era uma disciplina acadêmica institucionalizada. Foi o matemático belga George Sarton – cuja história pessoal se confunde com a da própria disciplina – que deu forma a sua identidade cognitiva e profissional a partir da criação do primeiro periódico dedicado exclusivamente aos historiadores das ciências, a revista Isis (1913). A concepção de história das ciências proposta por Sarton condensa o positivismo e o humanismo típicos da historiografia produzida por cientistas profissionais no final século XIX e cumpre também outra missão: “Reunir os cientistas em uma comunidade preocupada em pensar o papel da ciência na história humana”, pontuou.
Na década de 1930, surge o padrão historiográfico que irá se tornar dominante. Rompendo com o positivismo baseado em grandes narrativas, a nova historiografia se concentra nos séculos XVI e XVII, definindo-os como o período de nascimento da ciência moderna. Esse foi o momento de construção de uma ideia de “revolução científica”, que não estava presente até então. “Essa ideia é crucial e acompanhá-la é seguir a própria história da disciplina história das ciências”, frisou Luiz Otávio. O filósofo Alexandre Koyré foi o principal responsável por tornar a questão da “revolução científica” central para os historiadores das ciências.
A historiografia das ciências concentrou-se então no estudo da ”revolução científica” na Europa desde o século XVI até o século XIX, incluído depois os Estados Unidos – ou seja, países líderes na produção mundial em ciência e tecnologia. No entanto, nas últimas décadas, tem havido uma presença crescente de estudos sobre as experiências de institucionalização das ciências em contextos periféricos ou coloniais, em geral realizados por pesquisadores dos próprios países, ressaltando suas especificidades.
Segundo Luiz Otávio, essa mudança é contemporânea: “As transformações metodológicas levaram ao surgimento dos chamados estudos sociais das ciências e à proliferação de comunidades nacionais de historiadores da ciência”. Um marco neste processo foi a publicação, em 1967, do artigo The spread of Western Science de George Basalla, que chamou a atenção dos historiadores para a difusão das ciências nos territórios das antigas colônias.
A partir da crítica à conceituação da ciência enquanto conhecimento universal e de sua compreensão como uma prática contextualizada, foram realizados estudos sobre as especificidades que caracterizaram o desenvolvimento das ciências nos diferentes contextos nacionais não-europeus.