Thomas Fischer em palestra no Encontro às Quintas. Foto: César Guerra Chevrand
O lugar do Brasil e da América Latina na nova ordem mundial construída a partir da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) foi o tema da apresentação do professor de História da América Latina e diretor do Centro de Estudos Latinoamericanos da Katholische Universität Eichstätt-Ingolstadt (Baviera, Alemanha), Thomas Fischer, na edição do Encontro às Quintas (16/11), promovido pelo Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz).
Com formação em História, Estudos Germânicos, Estudos de Mídia de Massa e Pedagogia, pela Universidade de Berna, na Suíça, Thomas Fischer é editor da coleção americana Eystettensia e presidente da Associação Alemã de Pesquisa sobre América Latina (ADLAF). Entre seus temas de pesquisa, estão a história global sob a perspectiva da América Latina (Liga das Nações, migrações, diásporas, refugiados), a história cultural e a história dos saberes e a ciência (expedições científicas no séc. XIX).
Em sua apresentação no Encontro às Quintas, Fischer debateu os impactos da Primeira Grande Guerra para o desenvolvimento político e econômico da América Latina e, especialmente, para o Brasil. De acordo com o professor e pesquisador suíço, mesmo sem ser palco dos conflitos armados, os países latino-americanos foram atingidos “de forma duradoura” pela crise europeia, que marcou tanto a ruptura com a Alemanha e a Inglaterra como a aproximação com os Estados Unidos.
“A 1ª Guerra Mundial transformou o contexto internacional no início do século 20. Hoje há uma revisão sobre o impacto dessas transformações para a América Latina, nos âmbitos econômico, político e cultural. As consequências foram sentidas tanto no nível da identidade coletiva como em atitudes do Estado lideradas pelas elites cada vez mais preocupadas com o orgulho nacional”, explicou.
Novas referências, novas identidades
A partir de uma perspectiva culturalista, Thomas Fischer pesquisou, em revistas e jornais brasileiros do início do século XX, desenhos e charges que ilustrassem a mentalidade da época. Com o desenrolar dos conflitos armados na Europa, o Brasil e os países latino-americanos perderam as suas “referências civilizacionais” e encontraram nos Estados Unidos uma nova referência política e cultural. Mas, como assinalou o pesquisador suíço, a 1ª Guerra também provocou a ascensão dos nacionalismos na região.
“As imagens da imprensa revelam a forma como se percebem as relações internacionais. Mesmo sem ser afetada diretamente pelos confrontos militares, a América Latina teve a sua própria identidade transformada pela Primeira Guerra”, explicou Thomas Fischer. De acordo com o professor, em vez de se guiar por ideologias, “as elites brasileiras sempre tomaram uma postura muito realista no jogo político internacional”.
A 1ª Guerra Mundial envolveu mais de 70 países e deixou um saldo de cerca de 10 milhões de mortos e 20 milhões de feridos. A reconfiguração da geopolítica internacional, com o fim do conflito em 1918, segundo Fischer, é um dos cenários privilegiados para se analisar a inserção do Brasil e da América Latina na nova ordem global. A negociação de um acordo de paz, formalizado pelo Tratado de Versalhes (1919), e a criação da Liga das Nações, no mesmo ano, inauguraram uma nova etapa das relações internacionais para o Brasil, a América Latina e o mundo.
De acordo com Thomas Fischer, as elites brasileiras pleitearam, sem sucesso, um lugar permanente no Conselho de Segurança da Liga das Nações e um papel de liderança na América Latina. “Os países latino-americanos não queriam que um só país representasse a região na Liga das Nações. Eles reivindicavam um rodízio entre as nações ou um aumento de postos para a América Latina”. Ainda segundo Fischer, “a autoestima das elites latino-americanas cresceu e surgiu a ideia de representar e construir uma civilização sem o patrocínio europeu. Mas a visão dos latino-americanos não era a mesma. O latino-americanismo nunca foi concluído a nível político”, destacou.