“Ciência, saúde e interpretações do Brasil” foi o tema da mesa-redonda mediada pelo professor Luiz Carlos Soares, da Universidade Federal Fluminense (UFF). A atividade integrou a programação do seminário Estado, Intelectuais e Modernização no Brasil: Perspectivas da História das Ciências e da Saúde, promovido pela COC em parceria com a universidade. A pesquisadora Cristiana Facchinetti abriu a mesa com o trabalho Civilização impossível? Miscigenação, degeneração e os debates sobre a nação no século XIX. Na apresentação, ela lembrou que, especialmente a partir de 1870, a relação entre raça e alienação mental foi acionada no Brasil pelos recém institucionalizados alienistas locais, complicando ainda mais a interpretação do País mestiço.
A partir da obra de Raimundo Nina Rodrigues (1862-1906), um dos fundadores da psiquiatria e da medicina legal no Brasil, tornou-se hegemônica a ideia de que a mistura das três raças (negros, índios e brancos) do País, resultaria em indivíduos desequilibrados, degenerados, híbridos do ponto de vista físico, intelectual e nas suas manifestações comportamentais.
Em contrapartida, diversos autores passaram a apostar, que a miscigenação significava o branqueamento do Brasil, constituindo-se em uma saída para permitir o processo de modernização e normalização da sociedade. Para tal, um programa intenso de imigração foi pensado, explicou Cristiana.
No início do século 20, um acelerado processo de urbanização se desencadeava no País, que se via pressionado pelas teses europeias e locais sobre os males da civilização frente à população local, considerada incapacitada biológica e psiquicamente. Nesse período, em 1903, foi aprovado o decreto que reorganizava a Assistência a Alienados, e Juliano Moreira foi nomeado diretor do Hospício Nacional.
O grupo em torno de Juliano Moreira empreendeu diversas reformas na assistência aos alienados, assumindo os pressupostos da psiquiatria alemã organicista, considerada então mais moderna e eficiente. Tal mudança teórica permitiu também uma mudança de perspectiva: a partir do referencial kraepeliano, muitos psiquiatras locais passaram a afirmar que a degeneração estava entrelaçada aos problemas de educação e saúde, sendo, assim, um problema social. Tal perspectiva permitiu à psiquiatria propor um projeto de regeneração nacional por meio de ações e políticas preventivas e reeducativas, propostas pela Liga Brasileira de Higiene Mental.
A pesquisadora Simone Kropf começou sua apresentação lembrando a criação das primeiras escolas dedicadas ao ensino e ao estudo da medicina tropical na passagem para o século 20, resultado da preocupação dos europeus em enfrentar as doenças que ocorriam em suas colônias. Segundo ela, os médicos brasileiros não apenas acompanharam de perto a produção desses novos conhecimentos, como também contribuíram de modo ativo nesse processo. Um dos espaços institucionais onde esse estudo foi conduzido de modo intenso foi o próprio Instituto Oswaldo Cruz (IOC).
“Um marco na institucionalização da medicina tropical brasileira foi a descrição, por Carlos Chagas [pesquisador deste instituto], em 1909, de uma nova doença tropical, a doença de Chagas”, explica Simone. Segundo ela, os médicos envolvidos com esse processo defendiam que o estudo e o combate das doenças endêmicas que assolavam grande parte da população do interior do País era condição indispensável para que o Brasil ingressasse no rol das nações “civilizadas”.
Também compôs a mesa o pesquisador Gilberto Hochman. Ele discutiu as relações e afinidades entre a parasitologia médica brasileira e o comunismo no Brasil a partir da 2ª Guerra Guerra Mundial. O pesquisador analisou a trajetória científica e política de Samuel Barnsley Pessoa e Amilcar Vianna Martins, catedráticos, respectivamente, de Parasitologia Médica na Universidade de São Paulo e na Escola de Medicina de Belo Horizonte. Ambos foram líderes de escolas e tradições de parasitologia no Brasil e membros do Partido Comunista Brasileiro. Como parasitologistas, foram reconhecidos nacional e internacionalmente e, como comunistas, perseguidos aqui e no exterior. Um dos argumentos levantados para refletir sobre essa afinidade entre parasitologia e comunismo no Brasil diz respeito ao diagnóstico e às soluções preconizadas por eles para a superação da pobreza no campo e para o controle das endemias rurais: uma reforma agrária de base socialista.
