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Programa de Pós-graduação da COC leva dois prêmios em concurso da SBHC

10 out/2012

 

No primeiro concurso de teses e dissertações realizado pela Sociedade Brasileira de História da Ciência (SBHC), em 2012, oito programas de pós-graduação do país indicaram trabalhos. O Programa de Pós-graduação em História das Ciências e da Saúde, da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, teve dois trabalhos premiados: melhor dissertação, com “Basta aplicar uma injeção? Saúde, doença e desenvolvimento: o programa de erradicação da bouba no Brasil (1956-1961)”, e menção honrosa com a tese “Em busca do Brasil: Roquette-Pinto e o retrato antropológico brasileiro (1905-1935)”. O autor da dissertação é Érico Silva Alves Muniz, sob orientação do pesquisador Gilberto Hochman, e o o autor da tese é Vanderlei Sebastião de Souza, sob orientação do pesquisador Robert Wegner. O resultado do concurso foi divulgado no Simpósio da SBHC, realizado em setembro na Universidade de São Paulo (USP).

 

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Em seu laboratório na década de 1970, o médico do Instituto Oswaldo Cruz, Felipe Nery Guimarães, pioneiro dos testes com penicilina aplicada à bouba no Brasil. Foto: acervo da família Nery Guimarães.

Em seu laboratório na década de 1970, o médico do Instituto
Oswaldo Cruz, Felipe Nery Guimarães, pioneiro dos testes
com penicilina aplicada à bouba no Brasil. Foto: acervo
da família Nery Guimarães.

 

Como explica Érico Muniz, “a bouba é uma doença de pele, uma treponematose não venérea, semelhante à sífilis nos sintomas iniciais, podendo ser altamente debilitante de tecidos e ossos se não tratada”. Em 1955, afetava mais de quinhentos mil doentes, apresentando-se endêmica no vale amazônico, nordeste e leste. E tornara-se uma preocupação do então candidato a presidente da República, o médico mineiro Juscelino Kubitschek de Oliveira, que apresentava aos eleitores seu programa de governo dedicado à saúde.

 

A dissertação vencedora é dividida em três capítulos. No primeiro, faz um balanço historiográfico, fala das endemias rurais na história da saúde pública brasileira e constata que essas doenças estavam na agenda sanitária desde a Primeira República e mantiveram-se em pauta nas décadas de 1930 e 1940. Ele analisa como o tema foi recuperado na década seguinte. Com o lema de cinqüenta anos em cinco, “as doenças de massa”, como eram tratadas por JK, não se coadunavam com sua visão desenvolvimentista que imprimiria ao país em sua gestão como presidente.

 

Questões relacionadas à alimentação, pobreza e condições de vida das populações do interior também eram comuns nas principais áreas endêmicas do país. A pesquisa ressalta como uma campanha para a erradicação de uma endemia rural estruturada em torno de uma “bala mágica” – a penicilina injetável – se defrontou com os quadros de fome e desnutrição no interior do país, problemas que, a princípio, estavam fora de suas atribuições.

 

No capítulo dois são abordados aspectos da história da bouba e de sua pesquisa no Brasil. Buscando fontes como periódicos e teses médicas e de organismos internacionais em saúde, o autor resgata o controvertido debate sobre as origens da doença presentes em teses médicas do século 19, concentrando-se ainda nas mudanças de terapêuticas ministradas para a bouba, o que produziu diferentes enquadramentos ao longo do século 20, até o advento de novos medicamentos e a definição da penicilina como método para execução da campanha de erradicação na década de 1950.

 

Érico Muniz não esquece a tradição das pesquisas sobre a bouba do Instituto Oswaldo Cruz (IOC)  e a trajetória do médico Felipe Nery Guimarães, pioneiro dos testes com penicilina aplicada à doença no Brasil, serão fundamentais para a compreensão do caminho traçado até a criação da campanha, em 1956. Da mesma forma que o desenvolvimento dos primeiros programas para a erradicação da bouba em outros países, especialmente o trabalho realizado no Haiti, influenciou os trabalhos realizados em terras brasileiras.

 

O último capítulo da dissertação é dedicado à análise dos trabalhos do Programa de Erradicação da Bouba entre 1956 e 1961. Para isso, o autor reconstitui a partir de pesquisa realizada nos arquivos do Departamento Nacional de Endemias Rurais (DNERu), documentação do Ministério da Saúde e da contribuição de depoimentos orais, o método empregado e algumas das concepções sanitárias da campanha brasileira. O estudo concentra-se nas concepções de saúde e higiene do Programa e as condições de vida das populações dos sertões do Brasil, analisando ainda os quadros de fome e desnutrição encontrados pelos guardas sanitários, assim como as reorientações vividas em campo.

 

“O que essas análises reforçam é que a Primeira República assistiu as primeiras medidas públicas e por parte da União nos estados contra as endemias rurais”, destaca Muniz. Segundo ele, a ideia de que as “doenças de massa” seriam culpadas pelo atraso do país marcaram a política na área da saúde na década de 1950. Entretanto, esse período não inaugurou a preocupação com as endemias rurais. Com o desenvolvimento das ciências biomédicas e o “otimismo sanitário” vividos no pós II Guerra, uma série de ações para controle e erradicação de doenças havia sido implementada.

 

Porém, foi a partir da administração de Juscelino Kubitschek que as endemias rurais tornaram-se alvo de campanhas sistemáticas, sendo a bouba uma das que recebeu especial atenção ao ser criado um plano para a sua erradicação, que se desenvolveu entre 1956 e meados dos anos 1960, quando foi considerada eliminada do país.

 

De acordo com o estudo de Érico Muniz, nos anos 1970 a bouba volta a crescer em algumas regiões do mundo. Há registros em várias comunidades rurais na África e pouco se conhece sobre a situação na região das Américas. Hoje a doença é classificada como “negligenciada”. Não há programas de controle, vigilância ou atendimento em saúde, o que se agrava com as dificuldades em diagnosticá-la devido à falta de treinamento das equipes de saúde, fazendo com que a doença continue atingindo as populações mais pobres em áreas rurais da África, da Ásia e das Américas.