Marcos Napolitano. Foto: Cecília Bastos/USP Imagem. |
Por Jacqueline Boechat
O historiador pode e deve rever o passado diante de novas evidências e novas fontes. Entretanto, nos últimos anos, tentativas de revisar a história por meio de um prisma ideológico ou mesmo de negar as bases factuais de processos históricos têm ganhado terreno no Brasil.
Diante da atualidade do tema, a Casa de Oswaldo Cruz abre seu ano letivo com a palestra Negacionismos e revisionismos ideológicos: o conhecimento histórico em xeque, que será ministrada pelo professor Marcos Napolitano, da Universidade de São Paulo (USP). A aula inaugural acontece em 20 de março, às 10h, no Salão de Conferências do CDHS, no campus da Fiocruz em Manguinhos, no Rio.
Informe:
COC suspende aula inaugural e eventos em resposta ao novo coronavírus
Especialista no período do Brasil Republicano, com ênfase no regime militar, e na área de história da cultura, com ênfase nas relações entre história e música popular e história e cinema, Marcos Francisco Napolitano de Eugênio é doutor e mestre em História Social pela USP. Foi professor no Departamento de História da Universidade Federal do Paraná (UFPR), entre 1994 e 2004 e professor visitante do Instituto de Altos Estudos da América Latina (IHEAL) da Universidade de Paris III, em 2009.
Atualmente, Marcos Napolitano é professor de História do Brasil Independente, docente-orientador no Programa de Pós-Graduação em História Social da USP e assessor ad-hoc da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Em linhas gerais, o que significa negacionismo e revisionismo ideológico?
O negacionismo é uma negação de bases factuais de processos históricos com vistas, sobretudo, a encobrir crimes e genocídios praticados pelos Estados. O 'revisionismo ideológico' não chega a negar consensos factuais, mas tenta reinterpretar os processos históricos e suas motivações partindo de valores e ideologias que orientam a argumentação, mesmo à custa de manipulação de fontes e distorções metodológicas. Em tempo, todo historiador é cidadão e tem valores ideológicos que o orientam, mas a premissa da pesquisa e o método histórico básico (respeito às fontes, argumentação lógica, crítica documental, objetividade) devem ser preservados.
Existe realmente um aumento desse fenômeno e como podemos evidenciar esse aumento?
O negacionismo e o revisionismo não são fenômenos recentes, mas têm aumentado sobretudo pela militância de grupos politicamente orientados nas redes sociais, que são espaços públicos de grande poder de disseminação social, sem controle e sem chancela institucional. Momentos de polarização política, refundação societária ou crise institucional favorecem estes fenômenos.
Esse tipo de atitude é novidade no Brasil ou há informações que corroborem a recorrência do fenômeno?
Não chega a ser uma novidade no Brasil, mas desde 2014 o revisionismo ideológico em torno de alguns temas sensíveis (escravidão, ditadura) tem ganhado visibilidade em torno da crítica conservadora ao "politicamente correto" e à hegemonia político-cultural da esquerda. O negacionismo em relação ao Holocausto é antigo entre nós, embora restrito e marginal ao debate acadêmico e político. Mas, na eleição de 2018, o negacionismo histórico cresceu, como parte da estratégia geral das fake news como propaganda política, sobretudo no campo da extrema-direita.
Quais as fronteiras entre o revisionismo historiográfico e o ideológico? Em que ocasiões a revisão historiográfica pode ou deve ser feita?
Todo trabalho historiográfico inovador é revisionista. O revisionismo faz parte do trabalho do historiador e do debate historiográfico, não há nenhum problema nisso, desde que se respeite o método histórico geral – análise crítica de fontes primárias, explicitação das perspectivas metodológicas e políticas do trabalho, argumentação contextualizada, objetividade analítica (evitando análises puramente valorativas dos personagens históricos). O revisionismo ideológico enquadra não só a perspectiva de análise aos valores do analista, mas também enquadra e limita a argumentação a estes objetivos, descontextualizando ou omitindo fontes, encadeando fatos de maneira linear e simplista, generalizando ações individuais que não representam processos mais amplos.
Quais as consequências de se adotar um modelo revisionista ideológico?
Geralmente, o revisionismo ideológico prepara o caminho dos negacionistas.
Por que é importante falar sobre esse assunto?
Combater o negacionismo historiográfico é parte do combate ao negacionismo científico mais amplo e às fake news como arma política. Portanto, trata-se de combater o obscurantismo que tem sido uma ameaça à democracia e aos valores civilizacionais básicos.
Negacionismos e Revisionismos ideológicos: o conhecimento histórico em xeque
Data: 20 de março de 2020
Horário: 10h
Local: Salão de Conferências Luiz Fernando Ferreira – CDHS
Endereço: Av. Brasil, 4365 CEP: 21040-900 – Manguinhos, Rio de Janeiro, RJ