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Compressas de claras de ovos com açafrão para tratar dores de cabeça. Gargarejo com caldo de lagartixa para alívio dos males da garganta. As coleções de receitas jesuítas nos quatro cantos do mundo colonial português foram a pauta da apresentação da pesquisadora Ana Carolina Viotti, no Encontro às Quintas, promovido pelo Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde (PPGHCS) da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz). A bolsista de pós-doutorado do PPGHCS fez a sua palestra no dia 25/4, no Salão de Conferências do Centro de Documentação e História da Saúde (CDHS), em Manguinhos (RJ).
Ana Carolina Viotti discutiu a atuação dos jesuítas em antigas colônias portuguesas, para além da criação de hospitais e da manutenção das Santas Casas. No cenário brasileiro, por exemplo, diante da ausência de médicos e cirurgiões na América portuguesa, indicada pelos próprios missionários e habitantes, houve uma reconsideração oficial dos limites de atuação dos padres, que passaram a cuidar tanto dos males do corpo quanto dos males da alma. “As condições de vida no Brasil parecem ter justificado a demanda por uma legislação oficial, visando o pleno atendimento dos compromissos da ordem”, explicou.
Neste cenário, os religiosos da Companhia de Jesus, ordem fundada por Inácio de Loyola em 1534, dedicaram-se também ao preparo, aplicação, distribuição e comercialização de fórmulas que seriam administradas nas curas, com a criação e a administração de boticas. “No Brasil, à época da expulsão da ordem, em 1759, havia 17 colégios jesuítas, o que torna possível supor que o número de boticas seria igual ao de número de colégios”, afirma Ana Carolina Viotti, destacando que essas iniciativas colocam em xeque o suposto caráter retrógado e refratário à ciência que se julgou próprio da ordem religiosa.
As boticas jesuítas eram consideradas as mais proeminentes do Brasil, atendendo aldeias e fazendas vizinhas e rendendo um importante lucro para os colégios. “Os remédios eram distribuídos gratuitamente a todos os doentes que pediam, sem distinção de posse. À medida que as cidades cresceram e as demandas aumentaram, os padres passaram a vender aos ricos e dar aos pobres”, conta a pesquisadora.
As boticas contavam com coletâneas de receitas medicamentosas e de procedimentos de aplicação de fármacos, que deveriam orientar a atuação dos religiosos. De acordo com Ana Carolina Viotti, as coleções de receitas constituem bons exemplos da ação jesuítica de coleta, sistematização, apropriação e desenvolvimento de conhecimentos médicos farmacêuticos, apesar do apagamento das redes nativas ligadas a esses conhecimentos. “Não há nesses documentos, grosso modo, pormenores sobre o processo de aprendizagem, transmissão ou coleta de informações sobre as plantas e as técnicas de obtenção dos ingredientes”, diz a pesquisadora.
A partir da análise de quatro desses conjuntos de receitas jesuítas, a pesquisadora explica que as aplicações se mostram plurais não somente pela combinação com outros produtos, mas também pela sorte de doenças que propunham curar, como as febres, as doenças de pele, o envenenamento, a fraqueza do estômago e a anemia. “Manejar essa série documental abre um vasto leque de possibilidades. A versatilidade dos jesuítas nas artes de curar e de manejar esses produtos transparece nas compilações de receitas e dá as cores da atuação desses religiosos em geografias diversas”, comenta Ana Carolina Viotti, ressaltando a combinação original de produtos de origem europeia, americana e asiática que faziam parte dos compostos.
