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Encontro às Quintas debate histórias pioneiras da tatuagem no Brasil

30 ago/2018

Símbolos religiosos como a cruz, a estrela de David e as chagas de Cristo. Desenhos políticos como a bandeira nacional brasileira, a foice e o martelo e a suástica. Referências sentimentais a filhos, mulheres e amigos. Essas são algumas das imagens que compõem a iconografia apresentada pela pesquisadora Silvana Jeha no último Encontro às Quintas (23/5), realizado no Centro de Documentação e História da Saúde (CDHS), em Manguinhos (RJ).

Doutora em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Silvana discutiu as teses, os arquivos e os debates médicos em torno da tatuagem no evento promovido pelo Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz).

Autora do livro Tatuagem no Brasil, histórias pioneiras, que será publicado neste ano pela Editora Veneta, Silvana Jeha traçou uma história cultural da tatuagem no país a partir de fontes médicas e policiais, que abordam o tema desde o fim do século XIX, quando são publicadas os primeiros estudos e teses acadêmicas nas faculdades de Medicina da Bahia e do Rio de Janeiro, escritos por nomes como Agostinho de Souza Lima, Nina Rodrigues e Afrânio Peixoto.

O primeiro estudo médico sobre tatuagem identificado pela pesquisadora é de 1892. “A tatuagem não era um assunto da dermatologia nesse momento. Esses estudos nascem no contexto dessa antropologia criminal, ligado à medicina e à polícia. São grupos multidisciplinares, que envolvem médicos legistas, juristas e criminologistas”, afirmou Silvana Jeha.

Ao investigarem a tatuagem no âmbito da medicina legal e da psiquiatria, relacionando seus significados a uma certa tipologia criminal, na linha do médico italiano Cesare Lombroso (1835-1909) e do francês Alexandre Lacassagne (1843-1924), esses primeiros estudiosos da tatuagem acabaram por documentar os desenhos e mensagens escritos nas peles de detentos e pacientes de hospitais psiquiátricos. “O meu desafio foi compreender essa classificação para fazer uma leitura cultural desse arquivo criminal e psiquiátrico”, disse Silvana.

O maior acervo de consulta foi organizado pelo psiquiatra José Moraes de Mello na Penitenciária de São Paulo, entre 1920 e 1940. “Ele fez um arquivo de tatuagem com cerca de 2600 fotos, com seis mil, sete mil tatuagens. Eu não sei se existe no mundo um arquivo de tatuagem como esse, pelo menos desse período”, revelou a pesquisadora.

No processo de análise da história da tatuagem no Brasil, Silvana Jeha recuperou a escarificação africana e as tatuagens ritualísticas indígenas para compor o complexo painel encontrado em seus arquivos. Como sugerem as descrições das tatuagens de marinheiros, por exemplo, os símbolos tatuados na pele desses homens foram desenhados em várias partes do mundo e trazem as mais variadas referências culturais. “Essa tatuagem marítima nunca é apenas nacional, é sempre internacional. Por isso que o livro é de tatuagem no Brasil. Não existe uma tatuagem brasileira necessariamente”, explicou a pesquisadora, listando influências que vão desde às tatuagens portuguesas até as sírias.

As tatuagens documentadas nos arquivos analisados por Silvana Jeha foram feitas por agulhas e são anteriores à chegada das máquinas, que se popularizaram no Brasil somente nos anos 1970. Outro fator que chama atenção em sua pesquisa é a subdocumentação da tatuagem feminina, restrita, de modo geral, ao estudo de caso das prostitutas presas por vadiagem.

De acordo com Silvana, a expectativa é que seu trabalho possa ser desdobrado em muitos outros. “Esse é um livro de história, mas não é um livro acadêmico. Tem mais de 500 notas, mas é pouco teórico. Como todo mundo se tatua, eu quis fazer um livro de história pública, que traz ideias para pesquisas acadêmicas mais profundas”, relatou.