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Estudo investiga relações acadêmicas entre Brasil e Alemanha durante o regime nazista

25 set/2019

Por Haendel Gomes


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Ao abordar o envolvimento da diplomacia alemã no intercâmbio acadêmico entre Brasil e Alemanha, no período de 1933 a 1942, e os impactos desse movimento na institucionalização do ensino superior brasileiro, o historiador André Felipe Cândido da Silva afirmou que “são muitos os paralelos possíveis entre os anos 1930 e o que estamos vivenciando hoje, com o avanço global da extrema direita e o descrédito da democracia liberal”.  Segundo ele, a diplomacia alemã procurou capitalizar a circulação de intelectuais nos dois sentidos com objetivos de política e propaganda cultural e, também, sincronizar esta circulação segundo os parâmetros políticos e ideológicos do regime nazista.

“É importante lembrar que o Brasil estava sob o governo de Getúlio Vargas, que ascendeu ao poder com o movimento da chamada ‘revolução de 1930’, elegeu-se em 1934, mas em 1937 instituiu um regime autoritário que perdurou até 1945, quando terminou a Segunda Guerra”, completou André Felipe, que é professor e pesquisador da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz). Ele assina um capítulo do livro "Intellectual Collaboration with the Third Reich: treason or reason?" ("Colaboração intelectual com o Terceiro Reich: traição ou razão?", em tradução livre), editado pelos colegas suecos Maria Björkman, Patrik Lundell e Sven Widmalm, e lançado pela editora Routledge.

Capa de livro escrito em inglês

Segundo o historiador, várias instituições de ensino e pesquisa foram criadas ou reformuladas naquela época e professores, pesquisadores e estudantes brasileiros, principalmente médicos, dirigiram-se à Alemanha para aperfeiçoarem sua formação profissional. Ao mesmo tempo, as instituições germânicas foram consideradas como modelos para as congêneres brasileiras”, acrescentou.

O livro é resultado de um encontro ocorrido em Uppsala, na Suécia, em 2017, intitulado "A Treason of the Intellectuals? International Scientific and Intellectual Relations with Germany during the Nazi Era” ("Uma traição dos intelectuais? Relações científicas e intelectuais internacionais com a Alemanha durante a era nazista", em tradução livre). O evento teve como objetivo reunir pesquisas que abordam as relações de cientistas e intelectuais da Alemanha nazista com colegas de outros países.

“O interesse foi explorar essas relações como expressões de movimentos mais amplos que transcenderam as fronteiras e a experiência da Alemanha de Hitler, bem como a associação do intercâmbio acadêmico-intelectual com a propaganda cultural nazista”, explicou André Felipe.

Para muitos desses acadêmicos que foram para a Alemanha naquele período, a democracia não era exatamente um valor a ser considerado. “Isso era expressão do momento, marcado pela crise do liberalismo e ascensão do fascismo, mas também podemos ver como sinal do pouco lastro que o pensamento democrático tinha na república brasileira”, afirmou o pesquisador, para quem essa debilidade se expressou repetidas vezes na história política da república. “Acho que o que estamos vivenciando hoje também deve ser associado a essa tendência de média duração”, avaliou.

No Brasil, a presença de cientistas alemães que escaparam do regime nazista

Para muitos daqueles pesquisadores e estudantes, a formação profissional prescindia de fatores políticos, ou seja, não necessariamente se dirigiram à Alemanha por comungarem dos pressupostos do nazismo. No entanto, ao adensarem o movimento acadêmico rumo àquele país, contribuíram para a legitimação internacional do regime de Hitler. Segundo o historiador, esse aspecto vem sendo trabalhado por literatura mais recente que investiga o nazifascismo na perspectiva transnacional e global, ou seja, como fenômeno que através do movimento de ideias, experiências, publicações e pessoas adquiriu força para além das fronteiras dos países diretamente afetados.