Retrato de Carlos Chagas. Acervo COC
O médico e pesquisador Carlos Chagas é um símbolo da ciência brasileira por ter contribuído de modo decisivo para sua inserção e visibilidade na agenda científica internacional, especialmente nos campos da microbiologia e da medicina tropical no início do século XX. Sua trajetória foi fundamental também para o reconhecimento do projeto institucional que o sanitarista Oswaldo Cruz construía no Instituto de Manguinhos, núcleo original da Fundação Oswaldo Cruz.
Historiadora, pesquisadora e autora de livros e artigos sobre o cientista e a doença de leva seu nome, Simone Kropf ressalta a importância da descoberta da doença de Chagas e da iniciativa da Organização Mundial da Saúde (OMS) em instituir uma data oficial sobre o tema.
“A criação de um dia mundial da doença de Chagas é uma iniciativa que vem dar visibilidade, em escala global, à importância de se enfrentar, no século 21, as chamadas doenças negligenciadas, e de se promover o acesso universal como direito. Chama a atenção, particularmente, para a situação das pessoas afetadas pela doença, que atualmente apresenta dimensão global. É portanto uma homenagem que nos convida à reflexão quanto aos meios de atualizar, no presente, uma tradição de ciência que associa excelência acadêmica e compromisso social com a saúde, princípio basilar da Fundação Oswaldo Cruz desde seus primórdios”, disse a professora do Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz).
Na avaliação da pesquisadora, a importância da descoberta da doença de Chagas em 14 de abril de 1909 vai além das contribuições que representou na época ao entendimento das doenças parasitárias transmitidas por vetores: “Ela constituiu o emblema de uma ciência que contribui ativamente, de forma inovadora, para agenda global da saúde e ao mesmo tempo volta-se às demandas locais e concretas da saúde da população brasileira. Expressa uma tradição de ciência diretamente articulada a um projeto de Brasil em que a saúde pública assumiu centralidade como dever do Estado”, conclui.
Berenice e seu bisneto. Foto: Acervo COC
A revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos traz em seu blog uma série de artigos – todos disponíveis na plataforma SciELO – abordando o tema da doença de Chagas. O documentário Cinematógrafo Brasileiro em Dresden, de Eduardo Thielen (Icict) e Stella Oswaldo Cruz Penido (COC), vencedor do Prêmio de Melhor Filme de Curta-Metragem pelo Júri Popular do Recine – Festival Internacional de Cinema de Arquivo, em 2011, também aborda a doença e sua descoberta. Saiba mais sobre a decisão da OMS na Agência Fiocruz de Notícias.
Chagas se formou na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro em 1903, quando teve início o combate à febre amarela pelo médico Oswaldo Cruz, então diretor geral de saúde pública e responsável pelo Instituto Manguinhos (que em 1908 passou a se chamar Instituto Oswaldo Cruz). A doença era um grave problema de saúde pública na capital federal, assolada por epidemias recorrentes que comprometiam a movimentação econômica no porto da então capital federal.
Em 1908, Chagas tornou-se pesquisador do Instituto Oswaldo Cruz, que, além de fabricar vacinas e produtos para atender as demandas sanitárias, se constituía como centro de pesquisa e ensino no campo da microbiologia e da medicina tropical.
Especialista em malária, o cientista foi enviado a Lassance, na zona rural de Minas Gerais, para combater uma epidemia da doença que interrompera obras de ampliação da ferrovia da Central do Brasil. Ao examinar um inseto hematófago popularmente chamado de barbeiro, comum nas casas de pau-a-pique da população pobre no Brasil rural, Carlos Chagas identificou uma nova espécie de tripanossoma, que denominou Trypanosoma cruzi em homenagem a Oswaldo Cruz. Em 14 de abril de 1909, ao identificar o parasita no sangue de uma criança de Lassance, anunciou a descoberta da nova doença, causada por este protozoário e transmitida pelo barbeiro. Este episódio, marco da história da doença de Chagas, acaba de completar 110 anos.