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Para legitimar discurso de perigo, misoprostol foi associado à talidomida

Risco teratogênico do medicamento usado como abortivo, porém, não é consensual, frisa historiadora 

Karine Rodrigues

12 jul/2023

Um medicamento com efeito sedativo e tranquilizante, lançado na Alemanha em 1957, e logo comercializado em mais de 40 países, passou a ser prescrito para aliviar os enjoos matinais de mulheres grávidas. Não tardou para começarem a nascer bebês com uma caraterística congênita que se caracterizava pelo encurtamento de braços e pernas. Há estimativas de que milhares de recém-nascidos tenham sido afetados pela talidomida.

No Brasil, o caso da talidomida foi associado ao misoprostol nos discursos médico-científicos e na mídia, por causa dos possíveis efeitos teratogênicos do medicamento para os fetos nos casos de aborto malsucedidos. Em matérias publicadas e jornais e revistas, o tom era carregado, e falava-se até que o Cytotec poderia ser responsável por uma “geração de monstros”.

Leia mais: Revolucionário e vilão: a trajetória do abortivo Cytotec no Brasil  

“Devemos refletir sobre a construção do conhecimento científico em torno do misoprostol como um mosaico conformado a partir da contribuição de vários campos do conhecimento que se uniram, em torno de um objetivo comum, estabelecer um fato científico definido pelo risco teratogênico que traria, junto consigo, o perigo de uma nova “talidomida”, escreve Thayane Lopes Oliveira, em sua tese sobre a trajetória do misoprostol no Brasil.

Apesar dessa associação, a historiadora observa que não encontrou nas fontes analisadas no período “afirmação acabada e consensual sobre o perigo teratogênico” do medicamento. Na maioria dos trabalhos, há apenas menção ao fato de que o Cytotec “indica o risco ou aponta possível risco”. Segundo ela, atualmente, “trabalhos no campo da saúde pública e saúde coletiva apontam para possibilidade de oferecer um aparato que permita a utilização do misoprostol com segurança”. Com isso, seria possível observar os ganhos para a redução da mortalidade materna, acrescenta.

O caso da talidomida deu dimensão mundial para debate sobre a segurança dos medicamentos. Já as pesquisas realizadas sobre o misoprostol pelo Grupo de Prevenção ao Uso Indevido de Medicamentos (GPUIM), vinculado ao Departamento de Farmácia da Universidade Federal do Ceará (UFC), consolidaram o grupo institucionalmente e atraíram a atenção para o reconhecimento de que aumentar a vigilância sobre o Cytotec seria essencial para a segurança da sociedade, puxando uma discussão nacional sobre a construção de um sistema nacional de farmacovigilância.