Fiocruz
Webmail FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ

Pesquisadora destaca papel do Ibeu e da Universidade de Michigan nos intercâmbios entre Brasil e EUA

03 jun/2019

O papel do Ibeu e da Universidade de Michigan no estabelecimento de um programa de intercâmbio educacional e cultural entre Brasil e Estados Unidos nos anos de 1937 a 1945 foi um dos destaques da apresentação de Simone Kropf na última edição do Encontro às Quintas (23/5). A professora e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde (PPGHCS) da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz) apresentou a palestra Circuitos da boa vizinhança: ciência, diplomacia cultural e intercâmbios educacionais entre Brasil e Estados Unidos (1937-1945) no salão de conferências no Centro de Documentação e História da Saúde (CDHS), em Manguinhos (RJ).

Criado em 1937, com o objetivo de fomentar as relações entre os dois países, o Instituto Brasil-Estados Unidos (Ibeu) apresentou uma proposta de programa de intercâmbio, baseado no princípio da reciprocidade, que logo ganhou o apoio da Universidade de Michigan. De acordo com a pesquisadora da COC, nos anos de tensão que antecederam a 2ª Guerra Mundial, a diplomacia interamericana era uma prioridade do governo estadunidense de Franklin Delano Roosevelt. Logo em 1938 nasceria o Brazilian Fellowship Program, como um caso pioneiro e emblemático dos circuitos da boa vizinhança e da diplomacia cultural nas Américas.

“A primeira proposta de intercâmbio partiu do Ibeu, no Brasil, e logo foi abraçada pela Universidade de Michigan. O programa era estruturado na ideia de reciprocidade, que era um dos princípios estruturantes do internacionalismo cultural dos Estados Unidos, construído desde o final da 1ª Guerra Mundial, e que, consolidado  no período entre guerras, orientaria a diplomacia cultural do governo Roosevelt. O objetivo da investigação é justamente ver como o programa foi concretizado, com seus atores, interesses e dinâmicas”, afirmou Simone Krpof, que desenvolveu sua pesquisa em seu estágio de pós-doutorado realizado na Universidade de Michigan.

A pesquisadora da COC explica que o Brazilian Fellowship Program foi um exemplo importante das relações culturais entre os Estados Unidos e a América Latina num momento em que tais relações ganharam grande visibilidade política. No ámbito da Política da Boa Vizinhança, o governo Roosevelt passaria, em 1938, se tornaria um ator decisivo da diplomacia cultural, que até então era praticada por agentes privados como as organizações filantrópicas. Esse cenário atraiu o interesse das universidades, entre elas a Universidade de Michigan. 

“Esse é um estudo que se filia a uma tendência recente da historiografia brasileira, com muitos trabalhos produzidos na COC, que é mostrar a importância da ciência e dos intercâmbios educacionais como uma dimensão fundamental da americanização da sociedade brasileira e da diplomacia cultural e das relações Brasil e EUA”, argumentou.

Ao se debruçar sobre interações e dinâmicas concretas de construção desses intercâmbios, Simone Kropf destacou a atuação de Joseph Raleigh Nelson, professor da Universidade de Michigan, como idealizador e articulador dessa rede. À frente do International Center, criado na universidade em 1938 para promover atividades culturais junto aos  estudantes estrangeiros, Nelson foi um dos principais responsáveis por inserir aquela instituição do meio-oeste dos Estados Unidos neste fluxo interamericano. O protagonismo do IBEU torna este caso um exemplo também da agência dos países latino-americanos neste processo. "O Brasil colocou a Universidade de Michigan na rede do interamericanismo. Essas redes foram criadas muitas vezes por iniciativa dos países latino-americanos", disse Simone.

Com a parceria do Instituto Internacional de Educação na montagem do programa, a Universidade de Michigan e o Ibeu promoveram  várias edições do Brazilian Fellowship Program, até que o cenário da 2ª Guerra Mundial veio transformar as condições deste intercâmbio. “A entrada dos EUA na guerra em dezembro de 1941 teve um impacto importante para o fluxo interamericano porque inviabilizou a ideia de reciprocidade. Os americanos não podiam mais deixar o país, pois estavam mobilizados para a guerra”. Mas a guerra, por outro lado, ao comprometer a circulação com a Europa, intensificaria o fluxo dos latino-americanos que buscavam os Estados Unidos para realizar seus estudos.  comentou a pesquisadora da COC.

Simone Kropf apontou o ano de 1943 como um divisor de águas neste processo, com a aposentadoria de Joseph Raleigh Nelson e a mudança de foco da diplomacia cultural estadunidense. O foco não seria mais a América Latina, mas a reconstrução dos países europeus e orientais no pós-guerra.  “Do ponto de vista da própria diretriz da política externa e da diplomacia cultural americana, esse é um momento em que aquele modelo fundado nos princípios do internacionalismo cultural, da reciprocidade, do gradualismo, da não-propaganda, se enfraquece. Progressivamente haverá o fortalecimento de uma diretriz muito mais pragmática dessa diplomacia cultural, com o objetivo mesmo de propaganda”, concluiu. Esta tendência se afirmaria no contexto geopolítico da Guerra Fria.