Pesquisadora da Ensp observa que mulheres e crianças são, de novo, grupos mais vulneráveis
Foto: Peter Illiciev/Zika: vidas que afetam. |
Por Karine Rodrigues
Em 2015, quando os nascimentos de bebês com microcefalia começaram a surpreender o país, a geógrafa e doutora em saúde pública Mariana Albuquerque recebeu um chamado da Rede Zika em Ciências Sociais para colaborador com as pesquisas sobre as respostas dadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) à emergência sanitária. Pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (Ensp/Fioceuz), ela é uma das curadoras da exposição Zika: vidas que afetam, da Fiocruz.
Temos na Covid-19, mais uma vez, mulheres e crianças vulnerabilizadas por uma série de questões, como na Zika. Elas precisam ser priorizadas pelas várias políticas de proteção social, logo no início das emergências
Já experiente em pesquisas que analisam a forma como planos e políticas se adaptam a diferentes realidades e respondem a desigualdades, Mariana analisou dois estados brasileiros durante a pesquisa da Zika: Ceará e Rio de Janeiro. Em ambos, encontrou mobilização, pesquisas, centros de excelência em saúde, mutirão de diagnóstico para identificação rápida dos casos, com algumas ações comuns orientadas pela estratégia nacional, nas áreas de vigilância, atenção à saúde, formação e qualificação de profissionais.
Além desses protocolos e medidas de apoio definidos em nível federal, os Estados também desenvolviam estratégias próprias. O Ceará, por exemplo, priorizou estratégias regionalizadas de estruturação de serviços de estimulação precoce para garantir o acesso a tratamentos especializados, como fonoaudiologia e, fisioterapia, em todo o estado. No Rio, pesquisas realizadas em centros de excelência tornaram possível ampliar rapidamente o atendimento às crianças afetadas.
“A Zika demandou muitas especialidades para o diagnóstico e para o tratamento, e sabemos que no Brasil existe uma grande desigualdade regional em termos da distribuição desses serviços e desses profissionais”, observa a pesquisadora. Nos dois estados analisados, ela encontrou uma concentração dos serviços de referência para crianças com Síndrome Congênita mais acentuada nas capitais e Regiões Metropolitanas, áreas bastante atingidas pela Zika, o que obrigou as famílias a fazerem maiores deslocamentos para ter acesso aos tratamentos. Segundo Mariana, a Zika evidenciou a necessidade de se estruturar melhor a rede de cuidados à pessoa com deficiência em todo o país.
Diante do que viu em suas pesquisas de campo, Mariana destaca a importância de se olhar para a Zika em busca de aprendizados para este momento de pandemia de Covid-19. “As melhores respostas foram aquelas que envolveram um diálogo do poder público com as famílias afetadas pela Zika, cientistas e profissionais de saúde. Vemos como é importante olhar para as várias realidades para adequar os protocolos e responder conforme às necessidades”, pontua. Ela ressalta ainda a necessidade de fortalecimento das instituições de pesquisa e de um SUS com financiamento adequado e a consolidação de arranjos públicos regionais para garantir acesso em tempo oportuno.
As duas emergências sanitárias globais também se aproximam pelos impactos dos extremos contrastes no país, diz. “As desigualdades representam um risco adicional às emergências sanitárias e se aprofundam nesse contexto. Temos na Covid-19, mais uma vez, mulheres e crianças vulnerabilizadas por uma série de questões, como na Zika. Elas precisam ser priorizadas pelas várias políticas de proteção social, logo no início das emergências. Então, o foco na redução das desigualdades do Brasil é crucial para qualquer resposta de emergência sanitária”, destaca Mariana.
A fotografia que ilustra esta matéria, de autoria de Peter Illiciev, integra a exposição 'Zika: vidas que afetam'